Por Joaquim Ferreira dos Santos
No dia em que eu
conheci Tim Maia, ele estava tão doidão quanto nos dias em que eu não o
conhecera. Todo vestido de branco, bêbado pela leitura dos livros do racional
superior, ele tentava me convencer que o mundo não era redondo coisa nenhuma.
Caso fosse, dizia Tim Maia, qualquer um poderia dar um salto e esperar que sua
casa passasse por baixo para aterrissar de novo no quintal da residência.
No dia em que eu
conheci Rubem Braga, ele estava taciturno como lhe era de costume e feitio.
Perscrutava o ambiente de uma mesa posta no quintal da residência do
psicanalista Hélio Pellegrino, seu amigo, comemorando 60 anos naquele evento.
Eu me aproximei um tanto assim assustado diante do grande urso da crônica
brasileira, homem conhecido pelo lirismo de sua prosa e o passa-fora de seus
contatos sociais. Perguntei-lhe o que achava do aniversariante da noite. Rubem
Braga foi-me rabugentamente sincero na avaliação: “Esse psicanalista é um
grande maluco”.
No dia em que eu
conheci Raul Seixas, ele veio subindo as escadas internas de seu apartamento,
num subsolo da Rua Peri, no Jardim Botânico, e tinha o cambalear trôpego que
costuma caracterizar os bêbados do humorístico “Zorra Total”. Não só. Raul
Seixas estava com a roupa inteiramente molhada, e eu logo saberia que tinha
sido um estratagema arquitetado por sua esposa, um banho forçado, para que ele
recobrasse a razão. Tal não aconteceu. Raul continuava no torpor desconexo dos
bêbados e, após dizer duas ou três palavras de apresentação, caiu-me
desacordado sobre o colo.
No dia em que eu conheci o prefeito Negrão de Lima e lhe perguntei como tinha sido o ataque cardíaco que sofrera, ele colocou a mão no peito e parecia ainda estar ouvindo o que lhe assucedera. Disse-me que na hora da cardiopatia parecia estar participando de um baile de bruxas animado por uma jazz band.
No dia em que eu conheci o grande ator Grande Otelo lhe perguntei como tinha sido participar do último desfile das escolas de samba na Praça Onze. Eu não sabia que o grande ator engraçado era na vida real de pequenos ou raros risos, mas fiquei sabendo imediatamente. Grande Otelo virou-se sem qualquer paciência e me perguntou se eu era free-lancer, no que foi imediatamente informado de que não o era. Ele tentou uma meia-desculpa dizendo que eu parecia tal, pois aquela era uma pergunta de jornalista free-lancer.
No dia em que eu conheci o grande ator Grande Otelo lhe perguntei como tinha sido participar do último desfile das escolas de samba na Praça Onze. Eu não sabia que o grande ator engraçado era na vida real de pequenos ou raros risos, mas fiquei sabendo imediatamente. Grande Otelo virou-se sem qualquer paciência e me perguntou se eu era free-lancer, no que foi imediatamente informado de que não o era. Ele tentou uma meia-desculpa dizendo que eu parecia tal, pois aquela era uma pergunta de jornalista free-lancer.
No dia em que eu
conheci a saudosa atriz Sandra Brea, ela estava sem qualquer tempo para dar
entrevistas, mas ficou muito impressionada pela urgência de cachorro babucho
com que eu lhe fazia o pedido, e me pôs para dentro do camarim do teatro onde
estava atuando. Ela se submeteu a algumas perguntas ao mesmo tempo em que, para
relaxar e entrar em cena, fazia um shiatsu orquestrado por um terapeuta japonês
que exigiu também daquela vez, apesar da presença do repórter na sala, a
observância da necessidade de a atriz ficar inteiramente nua para melhor
aplicar o poder de suas mãos.
No dia em que eu levei
toda a minha ignorância para conhecer o maestro John Neschling, ele me falou
que era um fã de Wagner e que estava indo ao festival de Bayreuth, na Alemanha.
Quando eu perguntei que festival era aquele, John Neschling fez a cara típica
de quem está falando com a pessoa errada. Disse que preferia não responder.
No dia em que eu
conheci João Cabral de Melo Neto no seu apartamento no Flamengo, ele estava com
uma dor de cabeça tão forte que pediu para eu voltar no dia seguinte, mas no
dia seguinte ele foi ao dentista e nunca mais eu avancei no seu conhecimento.
No dia em que eu
conheci a delicada poeta Ana Cristina Cesar, ela colocou na vitrola o LP em que
Roberto Carlos canta “Nasci para chorar” e nós ficamos assim, a faixa inteira,
fazendo playback, cantando em uníssono, mas ao final ela estava chorando e
dizendo “isso é demais, isso é demais”.
No dia em que eu
conheci Vera Fischer no estúdio Herbert Richers na Tijuca, ela me deu uma
carona de lá até o seu apartamento no Baixo Leblon, sendo que nós ficamos
presos num enorme engarrafamento dentro do túnel Rebouças — isso numa época em
que não havia vidro fumê, isso no justo momento em que num carro ao lado também
se arrastava, boquiaberta, uma ex-namorada que semanas antes havia me aplicado
um tonitruante pé na bunda.
*Joaquim Ferreira dos
Santos é colunista do GLOBO e publica toda segunda-feira sua crônica no Segundo
Caderno, onde sai diariamente a coluna Gente Boa
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Ps: Porque esse blog também é cultura... ;)
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Desculpe a necessidade de verificação de palavras. Mas dado o número absurdo de spam que recebo, fui obrigado a adotar essa prática chata.