Por Joaquim Ferreira dos Santos*
No dia em que eu
conheci o Marcello Mastroianni, durante a filmagem de “Gabriela” em Paraty, ele
tomou um gole de cachaça, acompanhou com os olhos o corpo de uma mulher que
passava e disse “Mamma mia”.
No dia em que eu
conheci o poeta Ricardo Chacal, declamei o seu “melecas as tenho em várias
cores e feitios, mas não estão à venda, durmo com elas”, e ele ficou muito
impressionado, não era a intenção da obra, que eu recitasse o poema quando
queria ver Irene, minha filha de 3 anos, dar sua risada.
No dia em que eu
conheci o policial Mariel Mariscotte, ele na verdade já estava morto, o corpo
todo perfurado de balas à minha frente, no Instituto Médico Legal, e eu me pus
pacientemente, como tinha sido pautado pelo chefe de reportagem, a contar
quantos furos de bala o cadáver tinha. Cheguei a 39, mas n ão foi um número
conclusivo porque o responsável pelo presunto se negou peremptoriamente a
virá-lo de costas para eu continuar minha abnegada apuração dos fatos, quer
dizer, dos furos.
No dia em que eu
conheci a cantora Clementina de Jesus, ela morava num apartamento na Boca do
Mato e tudo transcorria normalmente até o momento em que o fotógrafo precisou
ir ao banheiro. A válvula da descarga estava com defeito, a água não parava de
lavar o vaso sanitário e ele resolveu desaparafusar a engenhoca, fazendo agora
com que a água jorrasse da parede por todo o banheiro, alagando-o. Dona
Clementina, sempre mãe-preta angelical no palco, ficou aborrecida e enxotou a
mim e ao fotógrafo para as ruas da Boca do Mato com o fito urgente de procurar
um bombeiro.
No dia em que eu
conheci o cantor Fagner, estabelecemos uma conversa animada sobre a influência
dos mestres nordestinos, Gonzaga e Jackson do Pandeiro, na formação dos novos
artistas da MPB dos anos 1970. Alguma coisa que eu escrevi depois não agradou
Fagner e ele mandou seu produtor informar que quando nos encontrássemos
novamente encher-me-ia de porrada. Nunca mais nos vimos.
No dia em que eu
conheci o Nelson Gonçalves e perguntei por que ele cantava, por que ele estava
naquele momento chegando ao incrível número de cem LPs gravados, o cantor de “A
volta do boêmio” me disse que era pelo mesmo motivo que eu anotava as
respostas. Havia uma mulher em casa para cuidar, outras para sonhar, e a vida
era esse moto-contínuo, uma que vinha, outra que ia, e isso movia a Humanidade
ao embalo dos boleros que oferecia.
No dia em que eu
conheci Leila Diniz, quis saber como ela havia começado a carreira e antes que
a atriz sapeca respondesse qualquer coisa o jornalista Tarso de Castro, que
jantava conosco, tomou da palavra e afirmou que Leila havia começado na zona. A
atriz deu a sua gargalhada famosa, jogou a cabeça para trás e quando voltou à
posição natural confirmou. “É verdade, eu comecei na zona e não pretendo sair
dela”, tornando a cair na gargalhada.
No dia em que eu
conheci Roberto Carlos, fiz-lhe observações graves sobre a necessidade de ele
gravar os grandes compositores da MPB e deixar de lado a plêiade não muito
nobre de assinaturas que, por superstição, o acompanhava há décadas na produção
das músicas de seus LPs cada vez mais repetitivos. Roberto Carlos ouviu tudo
com muita elegância e, entre um “sabe, bicho” e outro “bem, bicho”, não disse
nada, rei magnânimo que já era, sobre o que achava do meu jornalismo.
No dia em que eu
conheci o poeta Vinicius de Moraes, ele estava de sunga, dentro da banheira na
sua casa da Gávea, e o rádio da empregada na cozinha anunciou que naquele
momento os termômetros registravam a máxima de 41 graus em Bangu.
No dia em que eu
conheci o Carlos Imperial haviam matado uma moça em Petrópoli s num crime com
requintes de sexo, drogas e rock and roll, o que fez com que ele se
interessasse em subir imediatamente a serra para comprar os direitos de
filmagem da história. Ao fim da jornada, não havia mais quartos disponíveis na
cidade, de modo que aceitamos constrangidos a proposta de um digno dono de
hotel que nos ofereceu meia diária em troca da ocupação pela dupla da única
cama de casal disponível naquele momento, uma da madrugada, em toda a rede
hoteleira do município.
No dia em que eu
conheci o Ibrahim Sued, ele estava arrematando a produção do casamento de sua
filha e me pareceu sincero quando disse que o único conselho que dera à moça
foi o de não ir jamais ao banheiro de porta aberta, pois a intimidade é linda,
a intimidade é gostosa, mas por mais que seja esta a ideia de um casamento
feliz e cúmplice, ela não deve ver tudo.
*Joaquim Ferreira dos
Santos é colunista do GLOBO e publica toda segunda-feira sua crônica no Segundo
Caderno, onde sai diariamente a coluna Gente Boa
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Desculpe a necessidade de verificação de palavras. Mas dado o número absurdo de spam que recebo, fui obrigado a adotar essa prática chata.