sexta-feira, 12 de abril de 2013

Meus conhecidos


Por Joaquim Ferreira dos Santos

No dia em que eu conheci Tim Maia, ele estava tão doidão quanto nos dias em que eu não o conhecera. Todo vestido de branco, bêbado pela leitura dos livros do racional superior, ele tentava me convencer que o mundo não era redondo coisa nenhuma. Caso fosse, dizia Tim Maia, qualquer um poderia dar um salto e esperar que sua casa passasse por baixo para aterrissar de novo no quintal da residência.

No dia em que eu conheci Rubem Braga, ele estava taciturno como lhe era de costume e feitio. Perscrutava o ambiente de uma mesa posta no quintal da residência do psicanalista Hélio Pellegrino, seu amigo, comemorando 60 anos naquele evento. Eu me aproximei um tanto assim assustado diante do grande urso da crônica brasileira, homem conhecido pelo lirismo de sua prosa e o passa-fora de seus contatos sociais. Perguntei-lhe o que achava do aniversariante da noite. Rubem Braga foi-me rabugentamente sincero na avaliação: “Esse psicanalista é um grande maluco”.

No dia em que eu conheci Raul Seixas, ele veio subindo as escadas internas de seu apartamento, num subsolo da Rua Peri, no Jardim Botânico, e tinha o cambalear trôpego que costuma caracterizar os bêbados do humorístico “Zorra Total”. Não só. Raul Seixas estava com a roupa inteiramente molhada, e eu logo saberia que tinha sido um estratagema arquitetado por sua esposa, um banho forçado, para que ele recobrasse a razão. Tal não aconteceu. Raul continuava no torpor desconexo dos bêbados e, após dizer duas ou três palavras de apresentação, caiu-me desacordado sobre o colo.


No dia em que eu conheci o prefeito Negrão de Lima e lhe perguntei como tinha sido o ataque cardíaco que sofrera, ele colocou a mão no peito e parecia ainda estar ouvindo o que lhe assucedera. Disse-me que na hora da cardiopatia parecia estar participando de um baile de bruxas animado por uma jazz band.

No dia em que eu conheci o grande ator Grande Otelo lhe perguntei como tinha sido participar do último desfile das escolas de samba na Praça Onze. Eu não sabia que o grande ator engraçado era na vida real de pequenos ou raros risos, mas fiquei sabendo imediatamente. Grande Otelo virou-se sem qualquer paciência e me perguntou se eu era free-lancer, no que foi imediatamente informado de que não o era. Ele tentou uma meia-desculpa dizendo que eu parecia tal, pois aquela era uma pergunta de jornalista free-lancer.

No dia em que eu conheci a saudosa atriz Sandra Brea, ela estava sem qualquer tempo para dar entrevistas, mas ficou muito impressionada pela urgência de cachorro babucho com que eu lhe fazia o pedido, e me pôs para dentro do camarim do teatro onde estava atuando. Ela se submeteu a algumas perguntas ao mesmo tempo em que, para relaxar e entrar em cena, fazia um shiatsu orquestrado por um terapeuta japonês que exigiu também daquela vez, apesar da presença do repórter na sala, a observância da necessidade de a atriz ficar inteiramente nua para melhor aplicar o poder de suas mãos.

No dia em que eu levei toda a minha ignorância para conhecer o maestro John Neschling, ele me falou que era um fã de Wagner e que estava indo ao festival de Bayreuth, na Alemanha. Quando eu perguntei que festival era aquele, John Neschling fez a cara típica de quem está falando com a pessoa errada. Disse que preferia não responder.

No dia em que eu conheci João Cabral de Melo Neto no seu apartamento no Flamengo, ele estava com uma dor de cabeça tão forte que pediu para eu voltar no dia seguinte, mas no dia seguinte ele foi ao dentista e nunca mais eu avancei no seu conhecimento.

No dia em que eu conheci a delicada poeta Ana Cristina Cesar, ela colocou na vitrola o LP em que Roberto Carlos canta “Nasci para chorar” e nós ficamos assim, a faixa inteira, fazendo playback, cantando em uníssono, mas ao final ela estava chorando e dizendo “isso é demais, isso é demais”.

No dia em que eu conheci Vera Fischer no estúdio Herbert Richers na Tijuca, ela me deu uma carona de lá até o seu apartamento no Baixo Leblon, sendo que nós ficamos presos num enorme engarrafamento dentro do túnel Rebouças — isso numa época em que não havia vidro fumê, isso no justo momento em que num carro ao lado também se arrastava, boquiaberta, uma ex-namorada que semanas antes havia me aplicado um tonitruante pé na bunda.

*Joaquim Ferreira dos Santos é colunista do GLOBO e publica toda segunda-feira sua crônica no Segundo Caderno, onde sai diariamente a coluna Gente Boa

-----------------

Ps: Porque esse blog também é cultura...   ;)


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Desculpe a necessidade de verificação de palavras. Mas dado o número absurdo de spam que recebo, fui obrigado a adotar essa prática chata.