sexta-feira, 12 de abril de 2013

Meus conhecidos 2


Por Joaquim Ferreira dos Santos*

No dia em que eu conheci o Marcello Mastroianni, durante a filmagem de “Gabriela” em Paraty, ele tomou um gole de cachaça, acompanhou com os olhos o corpo de uma mulher que passava e disse “Mamma mia”.

No dia em que eu conheci o poeta Ricardo Chacal, declamei o seu “melecas as tenho em várias cores e feitios, mas não estão à venda, durmo com elas”, e ele ficou muito impressionado, não era a intenção da obra, que eu recitasse o poema quando queria ver Irene, minha filha de 3 anos, dar sua risada.

No dia em que eu conheci o policial Mariel Mariscotte, ele na verdade já estava morto, o corpo todo perfurado de balas à minha frente, no Instituto Médico Legal, e eu me pus pacientemente, como tinha sido pautado pelo chefe de reportagem, a contar quantos furos de bala o cadáver tinha. Cheguei a 39, mas n ão foi um número conclusivo porque o responsável pelo presunto se negou peremptoriamente a virá-lo de costas para eu continuar minha abnegada apuração dos fatos, quer dizer, dos furos.


No dia em que eu conheci a cantora Clementina de Jesus, ela morava num apartamento na Boca do Mato e tudo transcorria normalmente até o momento em que o fotógrafo precisou ir ao banheiro. A válvula da descarga estava com defeito, a água não parava de lavar o vaso sanitário e ele resolveu desaparafusar a engenhoca, fazendo agora com que a água jorrasse da parede por todo o banheiro, alagando-o. Dona Clementina, sempre mãe-preta angelical no palco, ficou aborrecida e enxotou a mim e ao fotógrafo para as ruas da Boca do Mato com o fito urgente de procurar um bombeiro.

No dia em que eu conheci o cantor Fagner, estabelecemos uma conversa animada sobre a influência dos mestres nordestinos, Gonzaga e Jackson do Pandeiro, na formação dos novos artistas da MPB dos anos 1970. Alguma coisa que eu escrevi depois não agradou Fagner e ele mandou seu produtor informar que quando nos encontrássemos novamente encher-me-ia de porrada. Nunca mais nos vimos.

No dia em que eu conheci o Nelson Gonçalves e perguntei por que ele cantava, por que ele estava naquele momento chegando ao incrível número de cem LPs gravados, o cantor de “A volta do boêmio” me disse que era pelo mesmo motivo que eu anotava as respostas. Havia uma mulher em casa para cuidar, outras para sonhar, e a vida era esse moto-contínuo, uma que vinha, outra que ia, e isso movia a Humanidade ao embalo dos boleros que oferecia.

No dia em que eu conheci Leila Diniz, quis saber como ela havia começado a carreira e antes que a atriz sapeca respondesse qualquer coisa o jornalista Tarso de Castro, que jantava conosco, tomou da palavra e afirmou que Leila havia começado na zona. A atriz deu a sua gargalhada famosa, jogou a cabeça para trás e quando voltou à posição natural confirmou. “É verdade, eu comecei na zona e não pretendo sair dela”, tornando a cair na gargalhada.

No dia em que eu conheci Roberto Carlos, fiz-lhe observações graves sobre a necessidade de ele gravar os grandes compositores da MPB e deixar de lado a plêiade não muito nobre de assinaturas que, por superstição, o acompanhava há décadas na produção das músicas de seus LPs cada vez mais repetitivos. Roberto Carlos ouviu tudo com muita elegância e, entre um “sabe, bicho” e outro “bem, bicho”, não disse nada, rei magnânimo que já era, sobre o que achava do meu jornalismo.

No dia em que eu conheci o poeta Vinicius de Moraes, ele estava de sunga, dentro da banheira na sua casa da Gávea, e o rádio da empregada na cozinha anunciou que naquele momento os termômetros registravam a máxima de 41 graus em Bangu.

No dia em que eu conheci o Carlos Imperial haviam matado uma moça em Petrópoli s num crime com requintes de sexo, drogas e rock and roll, o que fez com que ele se interessasse em subir imediatamente a serra para comprar os direitos de filmagem da história. Ao fim da jornada, não havia mais quartos disponíveis na cidade, de modo que aceitamos constrangidos a proposta de um digno dono de hotel que nos ofereceu meia diária em troca da ocupação pela dupla da única cama de casal disponível naquele momento, uma da madrugada, em toda a rede hoteleira do município.

No dia em que eu conheci o Ibrahim Sued, ele estava arrematando a produção do casamento de sua filha e me pareceu sincero quando disse que o único conselho que dera à moça foi o de não ir jamais ao banheiro de porta aberta, pois a intimidade é linda, a intimidade é gostosa, mas por mais que seja esta a ideia de um casamento feliz e cúmplice, ela não deve ver tudo.

*Joaquim Ferreira dos Santos é colunista do GLOBO e publica toda segunda-feira sua crônica no Segundo Caderno, onde sai diariamente a coluna Gente Boa

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